quinta-feira, 30 de outubro de 2008

"Elefante", de Gus van Sant.


Os fatos ocorridos em Columbine, através da lente de Gus van Sant, fornecem possibilidades de abordagens as quais não seriam possíveis se não fosse o estilo adotado pelo diretor, e o qual persiste em sua película seqüente, “Últimos Dias”, que trata dos dias finais de um astro do rock, remetendo necessariamente a Kurt Cobain. O fato é que em ambos os filmes van Sant se utiliza de um ritmo extremamente lento e silencioso, como fosse um discípulo de Antonioni ou de Visconti. Isso possibilita um distanciamento por parte do espectador, não permitindo a catarse, qual parecia ter seu último reduto no cinema. E justamente essa impossibilidade catártica oferece uma condição de epoché, por assim dizer, para que se analise a situação representada. Ainda nesta esteira, dada a economia do argumento do filme, van Sant parte para a representação das perspectivas dos envolvidos no acontecido. Assim, a escolha de mostrar o fato da maneira mais imparcial possível, sem buscar qualquer explicação que se baseasse num arremedo sociológico, o diretor a possibilidade de apresentar o ponto de vista individual de cada personagem.
Conhece-se a história; o que ela desvela quando passada para a tela por Gus van Sant são considerações acerca da vontade de afirmação ou negação de vida. Tratar-se-á então, aqui, do cerne da preocupação ética de Schopenhauer, notadamente por dois vieses: por um lado o assassinato seguido de suicídio, e, por outro, a questão do tédio.
A aporia principal da consideração ética de Schopenhauer é a incapacidade de realização plena da vontade, donde, satisfeito um desejo, advém logo outro que causará, mais ou menos, dor, até que venham a sua realização e o fugaz prazer proporcionado por este; e assim indefinidamente quando tratado das objetivações da Vontade. Para o filósofo esse é o irreconciliável essencial da vida, o qual se tem que afirmar ou negar. Isso estabelecido, o primeiro viés proposto se fundamente na ligeira passagem onde o autor comenta o assassinato de filhos por parte do pai e o seguido suicídio deste. A explicação se dá na percepção desse dilema da vida, por parte do pai, e o conseqüente desejo de poupar seus filhos dessas circunstâncias, levando-o ao infanticídio; e, dada a reflexão do pai a respeito do fato ocorrido, tem-se o seu suicídio. A partir dessa leitura, ter-se-ia a já referida percepção do dilema da vida e a decisão por parte dos assassinos de poupar seus colegas de tal sorte no evento de Columbine. Contudo, isso soaria muito altruísta, por assim dizer.
A questão do tédio é mais capital, tanto para Schopenhauer como aqui. Esse se estabelece quando da satisfação das vontades de um dado individuo e a seguinte incapacidade de se desejar mais alguma coisa. Pensar-se-ia que seria a resolução do dilema da vida. Contudo, para o filósofo, vivendo-se na continua sina da objetivação da Vontade, esse individuo que satisfez todas as suas vontades acaba por não mais gozar delas, uma vez que o prazer da realização de um desejo é fugaz; ou seja, não constante porque não construção – chegar-se-á a isto mais tarde. Desta feita, ainda hás o desejo de querer algo, sem que se saiba onde aplicar esta volição: instaura-se o tédio. Parece ser esse o caso de Columbine. Assim sendo, o que poderia ser condição para bem-aventurança ou eudaimonia não se realizada dada a não fruição do prazer obtido, engendrando assim o desejo de desejar para que se possa novamente gozar outra satisfação. Tem-se, portanto, a incapacidade de afirmação total da vida, donde então se abre a porta para a negação desta.
Contudo, faça-se antes uma distinção no referente caso. Ao tempo em que Schopenhauer coloca a Vontade como cega, ele também a põe dentro de uma unidade dinâmica, onde a negação da vontade de vida de um dado vivente é condição para afirmação da vontade de vida do outro que negou aquela. Isso se passa no livro que trata da filosofia da natureza. Entretanto, no livro destinado à ética, por se tratar nele do homem, o filósofo insere as noções de reflexão, bom, justo etc., neste tocante da negação de vida de um indivíduo para a posterior afirmação de outrem, ao mesmo tempo em que baliza essas ações a partir das noções inseridas. Desta feita, a afirmação da vontade só deve ir até onde não negar a vontade de outrem. E o que se passa em Columbine não é absolutamente o caso da necessidade de negação da vontade de outrem para afirmação da sua própria. E, ao cabo, os assassinos negam a si mesmos.
Ainda outra distinção: no livro dedicado à estética, Schopenhauer coloca o acesso ao conhecimento da coisa-em-si através da arte, quando entra em cena o puro sujeito do conhecer destituído de vontade. Ademais, seria a fruição estética uma contemplação desinteressada do objeto artístico. Donde, tanto o fazer artístico quanto o fruir estético, ambos calcado na noção de gênio, oferecem essa possibilidade. Assim sendo, pela noção de um sujeito sem vontade e de uma contemplação desinteressada abre-se a oportunidade de se fugir do julgo da vontade, do desejo, nem que seja uma fuga momentânea. Agora se lembre da cena em que um dos assassinos toca a Sonata ao luar, de Beethoven, ao piano: nem o próprio fazer artístico ou o seu fruir não são capazes de manter os dois jovens longe da necessidade de satisfação de uma vontade a qual não sabem desejar. Ou seja, a saída estética é negada; o tédio é total.
Por fim, a própria redenção, como posta no livro da ética, através da compaixão e abnegação uma vez compreendido o dilema da vida e a incapacidade e aceitação em não resolve-lo também é impossível para aqueles assassinos. Fixa-se o tédio absoluto, que engendra assassinatos os quais não são necessários para a afirmação da vontade de vida daqueles jovens, e, por fim, o suicídio, que também não resolve o problema da vida nas objetivações da Vontade. Tem-se, portanto, uma sociedade do tédio, a qual não sabe mais o que desejar quando as vontades são satisfeitas e que também não sabe gozar os prazeres que tem.
Agora, pense-se neste texto de Nietzsche, em A Vontade de Poder: “Outrora, com a moral, se pretendia conservar: mas ninguém agora quer mais conservar, pelo fato de que não há nada para conservar. Há, portanto, uma moral que busca: que busca dar-se um alvo”.
Permute-se a afirmação da vontade de vida por este “conservar” do filósofo dionisíaco. Primeiro tem-se as ações com o fim de se conservar. Contudo, quando a vida já está conservada, perde-se este fim e quer-se buscar um outro, sem bem saber qual. No fundo seja um problema teleológico. Quando o fim é alcançado não se sabe mas o que se faça senão a procura de outro fim. Remetendo-se a Aristóteles e sua ética teleológica, chegar-se-ia aqui à felicidade, ou eudaimonia. Contudo, o problema capital é que para o Estagirita a felicidade é uma construção, ato contínuo, o que não se demonstra no referente caso. E, enquanto construção, nunca se chega ao fim e depois o goza passivamente. E eis que para Aristóteles a felicidade se constitui no filosofar, ou seja, no sempre investigar, e, assim sendo, na contínua construção e fruição do fim em direção ao qual age. Aqui se apresenta uma nova noção determinante.
Enquanto filósofo parece claro que Aristóteles eleja o filosofar como culminância da felicidade. Contudo, se a noção de um fim se mostra complicada, dada a própria maneira como o mundo se apresenta (e tenha-se em mente o eterno retorno), quiçá um fim eticamente estendido a todos. Estabeleça-se que, enquanto sempre necessidade de satisfação, portanto, na medida em que se tem que viver sempre em construção de si, por si, aja-se continuamente e consiga-se fruir os pequenos prazeres, sem alvejar ou criar um fim que não existe.

Um comentário:

Flor de Bela Alma disse...
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