Os fatos ocorridos em Columbine, através da lente de Gus van Sant, fornecem possibilidades de abordagens as quais não seriam possíveis se não fosse o estilo adotado pelo diretor, e o qual persiste em sua película seqüente, “Últimos Dias”, que trata dos dias finais de um astro do rock, remetendo necessariamente a Kurt Cobain. O fato é que em ambos os filmes van Sant se utiliza de um ritmo extremamente lento e silencioso, como fosse um discípulo de Antonioni ou de Visconti. Isso possibilita um distanciamento por parte do espectador, não permitindo a catarse, qual parecia ter seu último reduto no cinema. E justamente essa impossibilidade catártica oferece uma condição de epoché, por assim dizer, para que se analise a situação representada. Ainda nesta esteira, dada a economia do argumento do filme, van Sant parte para a representação das perspectivas dos envolvidos no acontecido. Assim, a escolha de mostrar o fato da maneira mais imparcial possível, sem buscar qualquer explicação que se baseasse num arremedo sociológico, o diretor a possibilidade de apresentar o ponto de vista individual de cada personagem.
Conhece-se a história; o que ela desvela quando passada para a tela por Gus van Sant são considerações acerca da vontade de afirmação ou negação de vida. Tratar-se-á então, aqui, do cerne da preocupação ética de Schopenhauer, notadamente por dois vieses: por um lado o assassinato seguido de suicídio, e, por outro, a questão do tédio.
A aporia principal da consideração ética de Schopenhauer é a incapacidade de realização plena da vontade, donde, satisfeito um desejo, advém logo outro que causará, mais ou menos, dor, até que venham a sua realização e o fugaz prazer proporcionado por este; e assim indefinidamente quando tratado das objetivações da Vontade. Para o filósofo esse é o irreconciliável essencial da vida, o qual se tem que afirmar ou negar. Isso estabelecido, o primeiro viés proposto se fundamente na ligeira passagem onde o autor comenta o assassinato de filhos por parte do pai e o seguido suicídio deste. A explicação se dá na percepção desse dilema da vida, por parte do pai, e o conseqüente desejo de poupar seus filhos dessas circunstâncias, levando-o ao infanticídio; e, dada a reflexão do pai a respeito do fato ocorrido, tem-se o seu suicídio. A partir dessa leitura, ter-se-ia a já referida percepção do dilema da vida e a decisão por parte dos assassinos de poupar seus colegas de tal sorte no evento de Columbine. Contudo, isso soaria muito altruísta, por assim dizer.
A questão do tédio é mais capital, tanto para Schopenhauer como aqui. Esse se estabelece quando da satisfação das vontades de um dado individuo e a seguinte incapacidade de se desejar mais alguma coisa. Pensar-se-ia que seria a resolução do dilema da vida. Contudo, para o filósofo, vivendo-se na continua sina da objetivação da Vontade, esse individuo que satisfez todas as suas vontades acaba por não mais gozar delas, uma vez que o prazer da realização de um desejo é fugaz; ou seja, não constante porque não construção – chegar-se-á a isto mais tarde. Desta feita, ainda hás o desejo de querer algo, sem que se saiba onde aplicar esta volição: instaura-se o tédio. Parece ser esse o caso de Columbine. Assim sendo, o que poderia ser condição para bem-aventurança ou eudaimonia não se realizada dada a não fruição do prazer obtido, engendrando assim o desejo de desejar para que se possa novamente gozar outra satisfação. Tem-se, portanto, a incapacidade de afirmação total da vida, donde então se abre a porta para a negação desta.
Contudo, faça-se antes uma distinção no referente caso. Ao tempo em que Schopenhauer coloca a Vontade como cega, ele também a põe dentro de uma unidade dinâmica, onde a negação da vontade de vida de um dado vivente é condição para afirmação da vontade de vida do outro que negou aquela. Isso se passa no livro que trata da filosofia da natureza. Entretanto, no livro destinado à ética, por se tratar nele do homem, o filósofo insere as noções de reflexão, bom, justo etc., neste tocante da negação de vida de um indivíduo para a posterior afirmação de outrem, ao mesmo tempo em que baliza essas ações a partir das noções inseridas. Desta feita, a afirmação da vontade só deve ir até onde não negar a vontade de outrem. E o que se passa em Columbine não é absolutamente o caso da necessidade de negação da vontade de outrem para afirmação da sua própria. E, ao cabo, os assassinos negam a si mesmos.
Ainda outra distinção: no livro dedicado à estética, Schopenhauer coloca o acesso ao conhecimento da coisa-em-si através da arte, quando entra em cena o puro sujeito do conhecer destituído de vontade. Ademais, seria a fruição estética uma contemplação desinteressada do objeto artístico. Donde, tanto o fazer artístico quanto o fruir estético, ambos calcado na noção de gênio, oferecem essa possibilidade. Assim sendo, pela noção de um sujeito sem vontade e de uma contemplação desinteressada abre-se a oportunidade de se fugir do julgo da vontade, do desejo, nem que seja uma fuga momentânea. Agora se lembre da cena em que um dos assassinos toca a Sonata ao luar, de Beethoven, ao piano: nem o próprio fazer artístico ou o seu fruir não são capazes de manter os dois jovens longe da necessidade de satisfação de uma vontade a qual não sabem desejar. Ou seja, a saída estética é negada; o tédio é total.
Por fim, a própria redenção, como posta no livro da ética, através da compaixão e abnegação uma vez compreendido o dilema da vida e a incapacidade e aceitação em não resolve-lo também é impossível para aqueles assassinos. Fixa-se o tédio absoluto, que engendra assassinatos os quais não são necessários para a afirmação da vontade de vida daqueles jovens, e, por fim, o suicídio, que também não resolve o problema da vida nas objetivações da Vontade. Tem-se, portanto, uma sociedade do tédio, a qual não sabe mais o que desejar quando as vontades são satisfeitas e que também não sabe gozar os prazeres que tem.
Agora, pense-se neste texto de Nietzsche, em A Vontade de Poder: “Outrora, com a moral, se pretendia conservar: mas ninguém agora quer mais conservar, pelo fato de que não há nada para conservar. Há, portanto, uma moral que busca: que busca dar-se um alvo”.
Permute-se a afirmação da vontade de vida por este “conservar” do filósofo dionisíaco. Primeiro tem-se as ações com o fim de se conservar. Contudo, quando a vida já está conservada, perde-se este fim e quer-se buscar um outro, sem bem saber qual. No fundo seja um problema teleológico. Quando o fim é alcançado não se sabe mas o que se faça senão a procura de outro fim. Remetendo-se a Aristóteles e sua ética teleológica, chegar-se-ia aqui à felicidade, ou eudaimonia. Contudo, o problema capital é que para o Estagirita a felicidade é uma construção, ato contínuo, o que não se demonstra no referente caso. E, enquanto construção, nunca se chega ao fim e depois o goza passivamente. E eis que para Aristóteles a felicidade se constitui no filosofar, ou seja, no sempre investigar, e, assim sendo, na contínua construção e fruição do fim em direção ao qual age. Aqui se apresenta uma nova noção determinante.
Enquanto filósofo parece claro que Aristóteles eleja o filosofar como culminância da felicidade. Contudo, se a noção de um fim se mostra complicada, dada a própria maneira como o mundo se apresenta (e tenha-se em mente o eterno retorno), quiçá um fim eticamente estendido a todos. Estabeleça-se que, enquanto sempre necessidade de satisfação, portanto, na medida em que se tem que viver sempre em construção de si, por si, aja-se continuamente e consiga-se fruir os pequenos prazeres, sem alvejar ou criar um fim que não existe.
Conhece-se a história; o que ela desvela quando passada para a tela por Gus van Sant são considerações acerca da vontade de afirmação ou negação de vida. Tratar-se-á então, aqui, do cerne da preocupação ética de Schopenhauer, notadamente por dois vieses: por um lado o assassinato seguido de suicídio, e, por outro, a questão do tédio.
A aporia principal da consideração ética de Schopenhauer é a incapacidade de realização plena da vontade, donde, satisfeito um desejo, advém logo outro que causará, mais ou menos, dor, até que venham a sua realização e o fugaz prazer proporcionado por este; e assim indefinidamente quando tratado das objetivações da Vontade. Para o filósofo esse é o irreconciliável essencial da vida, o qual se tem que afirmar ou negar. Isso estabelecido, o primeiro viés proposto se fundamente na ligeira passagem onde o autor comenta o assassinato de filhos por parte do pai e o seguido suicídio deste. A explicação se dá na percepção desse dilema da vida, por parte do pai, e o conseqüente desejo de poupar seus filhos dessas circunstâncias, levando-o ao infanticídio; e, dada a reflexão do pai a respeito do fato ocorrido, tem-se o seu suicídio. A partir dessa leitura, ter-se-ia a já referida percepção do dilema da vida e a decisão por parte dos assassinos de poupar seus colegas de tal sorte no evento de Columbine. Contudo, isso soaria muito altruísta, por assim dizer.
A questão do tédio é mais capital, tanto para Schopenhauer como aqui. Esse se estabelece quando da satisfação das vontades de um dado individuo e a seguinte incapacidade de se desejar mais alguma coisa. Pensar-se-ia que seria a resolução do dilema da vida. Contudo, para o filósofo, vivendo-se na continua sina da objetivação da Vontade, esse individuo que satisfez todas as suas vontades acaba por não mais gozar delas, uma vez que o prazer da realização de um desejo é fugaz; ou seja, não constante porque não construção – chegar-se-á a isto mais tarde. Desta feita, ainda hás o desejo de querer algo, sem que se saiba onde aplicar esta volição: instaura-se o tédio. Parece ser esse o caso de Columbine. Assim sendo, o que poderia ser condição para bem-aventurança ou eudaimonia não se realizada dada a não fruição do prazer obtido, engendrando assim o desejo de desejar para que se possa novamente gozar outra satisfação. Tem-se, portanto, a incapacidade de afirmação total da vida, donde então se abre a porta para a negação desta.
Contudo, faça-se antes uma distinção no referente caso. Ao tempo em que Schopenhauer coloca a Vontade como cega, ele também a põe dentro de uma unidade dinâmica, onde a negação da vontade de vida de um dado vivente é condição para afirmação da vontade de vida do outro que negou aquela. Isso se passa no livro que trata da filosofia da natureza. Entretanto, no livro destinado à ética, por se tratar nele do homem, o filósofo insere as noções de reflexão, bom, justo etc., neste tocante da negação de vida de um indivíduo para a posterior afirmação de outrem, ao mesmo tempo em que baliza essas ações a partir das noções inseridas. Desta feita, a afirmação da vontade só deve ir até onde não negar a vontade de outrem. E o que se passa em Columbine não é absolutamente o caso da necessidade de negação da vontade de outrem para afirmação da sua própria. E, ao cabo, os assassinos negam a si mesmos.
Ainda outra distinção: no livro dedicado à estética, Schopenhauer coloca o acesso ao conhecimento da coisa-em-si através da arte, quando entra em cena o puro sujeito do conhecer destituído de vontade. Ademais, seria a fruição estética uma contemplação desinteressada do objeto artístico. Donde, tanto o fazer artístico quanto o fruir estético, ambos calcado na noção de gênio, oferecem essa possibilidade. Assim sendo, pela noção de um sujeito sem vontade e de uma contemplação desinteressada abre-se a oportunidade de se fugir do julgo da vontade, do desejo, nem que seja uma fuga momentânea. Agora se lembre da cena em que um dos assassinos toca a Sonata ao luar, de Beethoven, ao piano: nem o próprio fazer artístico ou o seu fruir não são capazes de manter os dois jovens longe da necessidade de satisfação de uma vontade a qual não sabem desejar. Ou seja, a saída estética é negada; o tédio é total.
Por fim, a própria redenção, como posta no livro da ética, através da compaixão e abnegação uma vez compreendido o dilema da vida e a incapacidade e aceitação em não resolve-lo também é impossível para aqueles assassinos. Fixa-se o tédio absoluto, que engendra assassinatos os quais não são necessários para a afirmação da vontade de vida daqueles jovens, e, por fim, o suicídio, que também não resolve o problema da vida nas objetivações da Vontade. Tem-se, portanto, uma sociedade do tédio, a qual não sabe mais o que desejar quando as vontades são satisfeitas e que também não sabe gozar os prazeres que tem.
Agora, pense-se neste texto de Nietzsche, em A Vontade de Poder: “Outrora, com a moral, se pretendia conservar: mas ninguém agora quer mais conservar, pelo fato de que não há nada para conservar. Há, portanto, uma moral que busca: que busca dar-se um alvo”.
Permute-se a afirmação da vontade de vida por este “conservar” do filósofo dionisíaco. Primeiro tem-se as ações com o fim de se conservar. Contudo, quando a vida já está conservada, perde-se este fim e quer-se buscar um outro, sem bem saber qual. No fundo seja um problema teleológico. Quando o fim é alcançado não se sabe mas o que se faça senão a procura de outro fim. Remetendo-se a Aristóteles e sua ética teleológica, chegar-se-ia aqui à felicidade, ou eudaimonia. Contudo, o problema capital é que para o Estagirita a felicidade é uma construção, ato contínuo, o que não se demonstra no referente caso. E, enquanto construção, nunca se chega ao fim e depois o goza passivamente. E eis que para Aristóteles a felicidade se constitui no filosofar, ou seja, no sempre investigar, e, assim sendo, na contínua construção e fruição do fim em direção ao qual age. Aqui se apresenta uma nova noção determinante.
Enquanto filósofo parece claro que Aristóteles eleja o filosofar como culminância da felicidade. Contudo, se a noção de um fim se mostra complicada, dada a própria maneira como o mundo se apresenta (e tenha-se em mente o eterno retorno), quiçá um fim eticamente estendido a todos. Estabeleça-se que, enquanto sempre necessidade de satisfação, portanto, na medida em que se tem que viver sempre em construção de si, por si, aja-se continuamente e consiga-se fruir os pequenos prazeres, sem alvejar ou criar um fim que não existe.