quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Rembrandt: a luz como instante pregnante.



Através da exposição de Rembrandt no Museo del Prado, (Rembrandt pintor de histórias), realizada de 15 de outubro de 2008 a 6 de janeiro de 2009, percebe-se matizes do pintor holandês quiçá distintos do que se pode pensar acerca dele. Talvez pelo conjunto exposto, no qual não se encontra as célebres “Ronda noturna” e “Aula de anatomia do Dr. Tulp” ou pela ênfase da curadoria em colocar Rembrandt como pintor de histórias, pouco se encontra do desenvolvimento ao cotidiano pelo qual passa a pintura holandesa depois de Rubens, mais notadamente no pintor motivo deste ensaio e também em Vermeer; e, somada a ausência da pintura cotidiana, tem-se a pouca atenção a famosa técnica de Rembrandt, qual seja, o claro-escuro. E, ao colocar-se isso, vai-se de encontro a Ortega y Gasset e a sua consideração acerca do claro-escurismo no desenvolvimento da pintura tátil em direção a pintura visual, que está no ensaio “Sobre o ponto de vista nas artes”:
“Pero he aquí que entre ellos (los cuerpos) se desliza un nuevo objeto dotado de un poder mágico que le permite, más aún, que le obliga a ser ubicuo y ocupar todo el lienzo sin necesidad de desalojar a los demás. Este objeto mágico es la luz. Es ella una y única en toda la composición. He aquí un principio de unidad que no es abstracto, sino real, una cosa entre las cosas, e no una idea ni un esquema. La unidad de iluminación o claroscuro impone un punto de vista único”
Assim, para o filósofo espanhol claro-escurismo se constitui na ante-câmara da pintura visual, ou do vazio, a qual fixa o ponto de vista do pintor, e que será levada a cabo por Velázquez. Ante-câmara pois ainda há o elogio à corporiedade e o passeio do olhar sobre a superfície do quadro, mesmo que esse passeio seja guiado pelos pontos luminosos que reclamam atenção, como fala Ortega y Gasset. E, nesse âmbito, o maior exemplo se dá com “Ronda noturna”. Agora bem, como este quadro não faz parte da referida mostra do Museo del Prado, percebe-se, desta feita, outros matizes na obra do referido pintor.
O que se apreende dessas obras expostas no Prado é uma certa particularidade dentro do claro-escrurismo. Têm-se, na maioria das vezes, construções pictóricas quase que completamente escuras, nas quais se revela um único ponto luminoso, que, se não é necessariamente o centro geométrico da cena representada, é o pólo de atenção da representação. Além do contraste entre o claro e o escuro, ou, neste tocante, entre o escuro e o claro, e a partir deste mesmo, tem-se o gradual contraste entre o tratamento das figuras que fazem parte da cena, o qual vai da mera sugestão através do esboço (nas regiões escuras) à perfeição plástica, a qual se encontra no foco luminoso do quadro. Assim, no esboço escuro e na perfeita retratação luminosa encontra-se, no cerne deste jogo, uma questão valorativa com relação à cena representada. E, como se verá, isso será o essencial na apreciação e apreensão destas obras de Rembrandt.
No entanto, antes se faça um parêntese para a inserção de um conceito relativo à construção de imagens. Trata-se da noção de instante pregnante que Jaques Aumont explora em “O olho interminável”. Ora, como se pode perceber no próprio conceito, instante pregnante será o instante grávido de um significado, de uma mensagem, para a compreensão da cena. Ressalta Aumont que a noção de instante pregnante é essencial para a construção da mise en scene da pintura – tome-se aqui toda a pintura que tem por tema relatos mitológicos, religiosos ou históricos. O que se passa é que, como a pintura é a arte da imagem parada, em contraposição com o cinema, o pintar, para que consiga atingir os fins os quais almeja, tem que construir uma mise en scene na qual o que pretende representar seja dado de uma única mirada, pois, a pintura, nesse caso, ao cortar o fluxo, estabelece o instante como pedra de toque onde se fundamenta. E, portanto, para que possa comunicar a mensagem que pretende tem que eleger um instante grávido de sentido, de significado, ou seja, trabalha com a noção de instante pregnante, no qual o significado a ser expressado advém dos já referidos temas. Posto isto, retorne-se a Rembrandt.
No desenvolvimento da pintura holandesa, que começa com Rembrandt e vai até Vermeer, a noção de instante pregnante não se faz muito necessária nas pinturas de cotidiano, uma vez que, embora ainda se trate de instante, esse não tem que carregar em si uma gravidez de significados, uma vez que o que se pretende representar é corriqueiro em sua pura manifestação de simplicidade – o que é levado a cabo definitivamente pelo pintor de Delft (isso em si já constitui tema para outro ensaio). Desta forma, no Rembrandt cotidiano (“Ronda noturna” e “Aula de anatomia do Dr. Tulp”), uma vez que não quer significar muito, o claro-escurismo cumpre a função encontrada por Ortega y Gasset, i. é, tem a plena liberdade para que a luz funcione como tema e elemento unificador da obra; a bem dizer, ela chega a ser o centro da preocupação do artista, como se poderá ver mais categoricamente no desenvolvimento cabal dessa idéia, que se dá no Impressionismo, onde, inclusive, a noção de instante grávido de significado será completamente escamoteada.
Contudo, volte-se à exposição do Museo del Prado, ao Rembrandt pintor de histórias. Como já foi exposto, ao se tratar de temas mitológicos e religiosos faz-se necessária a construção da mise en scene para que esta carregue o instante pregnante. Com Rembrandt não se passa de outra maneira. O que há de diferente entre ele e seus predecessores, inclusive Rubens, é o já referido claro-escurismo, que aqui, em vez de falar como uma técnica que tem fim em si mesma, aparece para melhor servir o artista no ato de engravidar o instante o qual representa. E, desta feita, ter-se-ão os já referidos contrastes dos pares escuro-esboço e luz-definição. O que Rembrandt faz é isolar o significado superior do quadro em um único foco luminoso e bem definido, ficando o resto da cena que não foi eleita como parte principal relegada à escuridão e ao esboço. Assim, o pintor holandês concentra a cena num determinado ponto e todo o seu redor se mostra como não digno de contemplação, e, por vezes, mesmo impossível de apreensão, já que tudo se mostra escuro e apenas esboçado. A não ser que o que se deva apreender seja justamente a escuridão e o caráter mal acabado que tal região do quadro merece. E eis aqui onde reside o viés valorativo no claro-escurismo, o qual se percebe da maneira mais bem acabada nas pinturas de tema bíblico, onde o foco luminoso sempre se concentrará onde estiver representado Jesus Cristo ou algum santo, enquanto que o espaço a seu redor, seja a multidão, a natureza ou a arquitetura, fica no obscurecimento. Para tanto, veja-se “A apresentação de Jesus no Templo”, “A mulher flagrada em adultério” e “Descanso da fuga ao Egito”, por exemplo. E, tendo-se em conta o caráter revelatório da religião cristã, e, mais ainda, a associação da revelação com a luz divina, então se encontra a maior manifestação da luz como elemento de valoração da construção da cena. Tem-e a eleição das figuras mais sagradas como dignas de luz, enquanto que a grande parte da representação no quadro permanece na escuridão. Talvez seja mais: só à poucas figuras da história merece-se conceder a luz, pois apenas essas podem carregar em si a plenitude de significados que a obra pretender passar. Fim das contas, tudo se passa como uma questão valorativa, e, neste tocante, absolutamente moral.
Eis porque em Rembrandt pode-se encarar a luz como o instante pregnante.

Um comentário:

Anônimo disse...

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