sábado, 5 de janeiro de 2008

O dia seguinte



O certo poderia ser ir deitar agora, porém, há ainda uma rememoração que persiste e que ia apenas derrocar em insônia, se o caso fosse seguir para a cama. Mesmo porque as semelhanças não só apenas nas acomodações, mas também nas sensações, no mínimo. Mas que é isso? Desta maneira já vai chegando ao final sem antes ter ao menos começado.

O fato é que não se consegue de fato dormir, haja vista o dia que, não atribulado, permanece ainda algo que pesado em uma cabeça cansada de várias coisas e que assim, vai recorrendo a algumas lembranças, algumas imagens; alguma tentativa de verbalização. E também fosse a situação em que não se conseguiria dormir sem um alterador de consciência, e talvez isto o seja. É bem verdade que se preferiria uma cerveja, mas essa não se tem. Então, passa-se a percorrer os dias ébrios vividos, a sós, em companhia, e nestes dividindo-se álcool, tabaco, cama. Também é fato que tanto os quartos como os quadros mudam e, assim, não se crê que se erra ao admirar apenas um, mesmo porque todas impressões externas acabam por se mesclar a este mesmo.
Aí se tem, portanto, um quarto denso, escuro, pequeno, mas suficiente para suportar tamanha situação, sim aqui não se vê sombra de outro suporte; é ele próprio, apresentando-se no que se faz necessário de sua apresentação, com essa mesa circular que demonstra-se ao canto esquerdo, quase que inteira e essa cama que poder ser para dois mas que agora acomoda apenas um belo corpo. À mesa, dois copos e duas garrafas, o que prova que tanto que tanto se bebeu em demasia como se bebeu em companhia. Na cama, apenas jaz um corpo, o que mostra que sempre se acaba sozinha. E, mesmo, como haveria de ser diferente? É muito tênue o que une duas pessoas, não dois corpos. Aqui, parece isso ter sido representado por duas garrafas de bebidas, e as ligações ébrias nem sempre são simpáticas. Nota-se ainda que um dos copos foi completamente esvaziado, enquanto o outro permanece ainda algo cheio. Ela não agüentou bebê-lo todo ao vê-lo partir depois do derradeiro gole? Ou ele não se preocupou em findar aquilo e tudo que lha restou foi apenas o último gole do copo que jaz vazio? Contudo, primeiramente, quem jaz é ela, flagrada por uma luz frontal, que tende levemente para a direita, a iluminar-lhe durante uma noite em que absolutamente não teve qualquer iluminação. Nem que seja porque esta não existe. A começar-se pelo que há de sombra, ela inicia-se d forma confusa e, talvez, isso seja o que lhe acarreta todo o resto de seu acaso. Confusamente vai subindo e delineando-se. Mas, às vezes alto, o delinear é bastante ambíguo. Mas há então duas formas de se referir, dois significados, e tem-se que optar por um nesta questão de lógica. Volte-se ao primeiro. Surge já então um joelho eriçado, em pé, que se mantém não se sabe como nem por que, assim como ela... Mais uma vez! Talvez seja inevitável... O outro se deixa cair, escondidamente arqueado, acabado, levado à tona, caído por terra. Segue-se então através de um vácuo sob o pano, as insinuações de suas coxas que outrora foram tão receptivas e que mesmo agora fossem, se tivesse chegado a situação para tanto. Chega-se então ao fim de uma saia que permanece hermeticamente fechada, iluminada a uma altura despudorada e que o seria, mas que agora tem com a luz uma fonte errada de êxtase e este apenas parta quem observa. E, antes de mais nada, quem observa? Seria o caso de um dos bebedores de um daqueles copos que, ainda esvaziado, que se vê duro enquanto a contempla? Ou o outro copo,desistindo já de tudo e mantendo-se apenas a fitar e perder-se ali onde talvez tenha querido estar. Ou teria mesmo e ainda assim deixa-se ficar no quarto, observando sem nem bem saber porquê, de forma que acaba apor afligir-lhe ainda mais? As constantes elucubrações vão se perdendo e se negando pelo caminho, enquanto se sua, sem saber direito se é por causa da bebida, por causa unicamente de si, dela. É preciso parar e voltar a ocupar-se inteiramente dela, mesmo que seja desta forma, e não de outra, maneira a qual, por algum motivo, foi rechaçada. Suba-se mais um pouco em direção ao corpo deitado, ou seja, vá-se mais para a direita. Uma frágil blusa se envolve num corpo que esconde o braço direito, jazido ao seu lado, e já agora sem função alguma, sem copo em mão ou qualquer coisa que lhe pudesse servir de ocupação. Mais uma vez uma frágil blusa branca, a envolver, mas não esconder absolutamente a parte superior do corpo. Brilhando ainda sob a mesma luz de sempre, cobre insinuantemente o seio esquerdo, que jaz relaxado e quiçá levemente excitado; desnudando parcialmente o seio direito, talvez sabiamente ocultando-lhe a parte mais suculenta. Descendo então numa fenda que quase permite adivinhar o ventre tão afagador e subindo novamente, despindo completamente o ombro direito e cobrindo ainda o esquerdo, ambos entregues talvez não só ao estado de sonolência, mas também a tudo que pudesse ou poderia vir e a tudo que ainda deseja. Um braço estatelado, algo ainda tenso, caindo e abandonando-se no além-cama. Ao fim, uma mão que segura algo imaginário, ou que anseia por ter algo consigo e mantendo-se assim fechada que é a melhor maneira de curar-se não se sabe de que doença. Subindo-se ainda mais, um rosto belo, calmo e abandonado. A boca carnuda e sensual tento ênfase no lábio superior. O nariz apenas sabiamente sugerido. Os olhos fechados, formando assim as pálpebras cerradas e as sobrancelhas fechadas arqueadas, um estranho círculo que dá uma incerta sensação de calma e movimento eterno que não leva a lugar algum. Uma testa limpa até que se desemboca em longos cabelos pretos. Cabelos pretos que se eriçam e se jogam ao longo da pequena extensão da cama que ocupam até se precipitarem em direção ao chão, como se quisessem responder que sim, que tudo caiu por terra, tudo ruiu, e mesmo esse “além” não é solução para coisa alguma, mesmo porque não há solução, chegando já a se confundir com as últimas sombras que se oferecem, perdendo-se no escuro, como só poderia ser. A cama, em ser principal, engorda-se talvez com a intenção de acomodar-lhe a apoiar-lhe um pouco que seja. Ou talvez seria o contrário? Ela mesma vai se esvaindo para não suportar semelhante fardo, que já tem dono? Ah, que quarto! Que quadro! Mas, como já foi dito anteriormente, tanto os quartos como os quadros mudam. Assim também o são as impressões e, talvez, estas mais que tudo. Se, ao contrário, tudo o que se devaneou não aconteceu absolutamente? Se foi tudo imaginação ébria de mente vazia de sentido e completa de álcool? Se, quem fala é o mesmo que olha? Então, este, notadamente, permaneceu. Mesmo, sim, ainda se pode confiar em tais devaneios. Mas, se quem ficou e observa apenas imaginou isso para passar o tempo enquanto mantém-se sentado, fitando-a, sem coragem de ir-se embora? E enfiou-lhe a mão esquerda dentro da branca blusa frágil e tocou o seio direito? E, cheio de desejo, ultrapassou a pesada saia e conseguiu por fim extasiar ambos e ela penas jaz, relaxada, descansada, ainda de pernas abertas, como se sentisse incapaz de fechá-las, por ainda sentir-se preenchida? Mas, por outro lado, se, contudo não conseguiu absolutamente nada? A invasão da mesma frágil blusa branca foi inútil? Se o levantar da perna e da saia foi impotente? Se, ao jogá-la na cama, ela simplesmente esqueceu da situação, de si, de tudo, e acabou por abandonar-se num estado de sonolência? E, por fim, se mantém-se ainda a observar obstinadamente, é porque ainda deseja e espera persistentemente algo, enquanto se ocupa com esses devaneios, essas imaginações, suposições, elucubrações. Ora, já se perde novamente sem conseguir retornar ao fio da meada. Talvez, além das relações ébrias não serem nem sempre simpáticas, elas sejam sempre confusas, de forma que se chega em absolutamente nada! Mesmo o caso fosse ir dormir. Mas também a isso não se decide, sem saber igualmente como viria a ser. Fato é que temporariamente já é dia seguinte e assim para ela, que se apagou. Contudo, a solução mesmo só venha quando for seguinte também para quem observa. Não que o dia seguinte venha trazer solução. Mas os devaneios não serão aceitos e, no colchão desfeito, todos algo refeitos, aos pleitos dê-se jeito.

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