
Apesar da constante sexualidade explícita que permeia os filmes, temos, entre as histórias que se passam em Decameron, a de um pintor (interpretado pelo próprio Pasolini) que chega a uma cidade para pintar o retábulo de uma igreja e, ao final desta narrativa, que também encerra o filme, a pergunta:
“Por que fazer arte se sonhar com ela é tão mais doce?”
Ou seja: por que fazer arte se esta á uma empreitada fadada ao fracasso, ao não conseguir ser tão doce quanto o referido sonho, não tão real quanto a própria natureza ou não ser tão bela quanto a vida? Sendo a arte inútil, como pretendia Wilde, por que fazê-la?
A resposta será dada no filme seguinte, The Canterbury Tales, onde, no meio de mais histórias de sexualidade aflorada, temos a figura de um escritor (Geoffrey Chaucer que é o próprio escritor dos contos que dão base à película, e mais uma vez interpretado por Pasolini). Mais uma vez ao final, vem a solução para o problema anterior, na seguinte frase:
“Aqui terminam esses contos, narrados pelo simples prazer da fazê-lo.”
A saída da aporia sugerida por Pasolini não poderia encerrar em si maior simplicidade, sabedoria e imanência: o fazer artístico tem sua razão e justificação no prazer do constructo e é, por sua vez, um constructo de prazer.
No filme que encerra a Trilogia, Arabian Nights, a questão da arte não é explicita como nas outras duas obras e é unida a uma outra: um jovem decide fazer um mosaico para uma rainha que tem aversão a homens, e pretende assim conquistar o amor da mesma. Pretensão bem sucedida: a arte aqui serve para criar ou despertar o amor. E, o que é o amor se não uma forma de prazer? E o que seria isso se não um prazer gerando outro?
É capital lembrar que as obras que dão origem à Trilogia de Pasolini se passam em situações adversas: a peste em Decamerone, a difícil viagem para a Cantuária em The Canterbury Tales e o Sultão versus Cherazaade em As Mil e Um Noites. E, de situações adversas que gerarão dor, através da narrativa dessas histórias, temos a extração do prazer. E, no fundo, seja isso o que podemos assimilar da referida obra pasoliniana: a arte como fonte de prazer e escamoteamento da dor: isso baseado nas noções morais humeanas onde podemos alargar e dizer que a vida consiste em aumento do prazer e supressão da dor. Contudo, não tomemos a arte aqui como a fonte prazer, mas como uma fonte de prazer, como o é o automóvel para o piloto, a jogo para o atleta, a cozinha para o cozinheiro e o sexo para o ninfomaníaco. Então, o fato de se fazer arte não terá que ver com o contato com a idéia do Belo, ou a intuição que conhece puramente a Idéia ou ainda a educação humana. A arte é produzida e recebida unicamente com vistas ao prazer e o que se possa seguir daí vem a reboque, como nos mostra Arabian Nights, em que o prazer de fazer arte desemboca o prazer de amar.
Assim, não há qualquer suporte oculto por trás da arte: é apenas um exercício que dá prazer a alguns e, quiçá, o que está atrás de tudo seja o prazer.